No início era apenas um simples escape: de tamanha timidez sempre andou olhando para o chão. Temia encarar outras pessoas. Uma vez que olhava para baixo, vez ou outra achava moeda. Então encarou o fato de ser tímida como uma dádiva – ela se considera sortuda quando o assunto era encontrar moedas.
Já era um hábito; tinha até lugares favoritos para andar, aqueles lugares que possivelmente ia achar ao menos 5 centavos. Não importava a quantia, o importante era achar. A rua do Catete era a sua favorita. Percebeu que pessoas mais velhas têm maior tendência a perder moedas, e a rua do Catete era composta por idosos.
Portanto ela tinha sorte nisso – podia não ter sorte em mais nada –. E realmente não teve sorte em mais nada. Veio de família disfuncional; quis fazer ensino médio técnico (Era por sorteio. Óbvio: não foi sorteada). Acabou na pior escola do bairro. Era conhecida como a esquisita que andava olhando pro chão. De tanto bullying seu hábito de procurar moedas se agravou.
De sua casa até a escola dava cerca de 20 minutos a pé. Durante a caminhada ela se concentrava em seu hábito que ele se tornou reconfortante. Ela não ia de ônibus, tinha vergonha de passar na catraca… algo tão banal. Durante a caminhada até a escola havia uma grande oportunidade para encontrar suas moedas. Se achasse qualquer uma moeda seu dia já estava feito.
Ela foi crescendo, saiu da escola, entrou na faculdade e seu hábito a acompanhou. Porém, chegou à velhice e andar com a cabeça abaixada lhe custou caro; se tornou uma idosa corcunda. Foi uma consequência e ela não achava a pior coisa do mundo – aquela corcunda representava o que ela considerava ser ela. Acreditava veementemente que merecia ser corcunda, além disso, tinha a crença de que isso dava vantagem na hora de achar moeda.
Vale a pena relembrar seus principais “achados”. Seu melhor achado foi sem dúvida 200 reais. Podemos dizer que foi seu dia mais feliz. Mas ela não tinha sequer consciência de pensar sobre as pessoas que perdiam o dinheiro – moralmente se considerava digna. O dinheiro era dela.
O dia dos 200 reais foi mágico. Como sempre fez, andou de cabeça baixa de casa até o caixa eletrônico. Seria difícil achar alguma moeda, pois chovia muito. Ela então andou triste, nada ia encontrar. Ia sacar apenas 20 reais. Chegou no caixa e a primeira coisa que viu foram duas notas de 100 emperradas na saída de dinheiro do caixa: tudo mudou. Esse achado confirmou ainda mais o que ela chamava de dádiva, acreditando mais ainda que o dinheiro vinha até ela.
Outro dia ela achou 2 reais quando atravessou a rua. Nesse momento ela sentiu que tinha um ímã para achar dinheiro. Ela poderia atravessar a rua em outro momento, mas seu ímã fez ela atravessar no momento certo. Como é de se imaginar, ela nunca foi uma pessoa caridosa. Ela guardava cada centavo. Vale ressaltar também que ela jamais foi pobre. Além disso, nunca se casou, não teve filhos. Apesar de não ter uma família, ela nunca se lamentou. Claro, ela se sentia solitária, mas não de maneira melancólica. Sua mania de procurar e achar dinheiro na rua a preenchia.
Voltemos para seus principais achados: na rua de sua casa havia um tradicional jogo do bicho. Ou seja, uma fila de idosos com dinheiro vivo para apostar. Ali se tornou um lugar típico onde ela encontrava moedas — 5 centavos, 10 centavos, não importava, tudo valia —. Sua felicidade ao passar naquela rua era genuína, como se ganhasse na mega sena. Mas ela só teve sorte nisso e essa tal sorte acabou matando ela.
No dia trágico foi exatamente isso que aconteceu: atravessando a rua no sinal ali na frente do palácio do catete acabou se distraindo com uma moeda de 1 real que tinha no meio do caminho mas o sinal estava aberto para os carros. Morreu atropelada.